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sábado, 27 de novembro de 2010

Sal da Terra

Perseguir um sonho, talvez, seja torná-lo um pesadelo. Viver uma vida de sombras é necessário, só conhecendo o pecado pra saber reconhecer o que é bom. Ausente de dualidades e maniqueísmo, tentar viver uma vida apenas de razão é uma escolha inóspita. Há algo de milagroso na vida e na morte que nos concede dor e sofrimento e também outras coisas boas, das quais, na maioria das vezes, duvidamos. A filosofia explica como vivemos, como poderíamos viver e como poderíamos ter vivido. Porém, ela não explica porque duas pessoas estranhas se tornam íntimas e depois de íntimas, tornam-se estranhas de novo. Filosofia não é vida. Nem morte. Ninguém precisa saber andar para avançar em seu próprio caminho: além do bem e do mal, além de todo tempo e de toda impressão que se tem do tempo, tem uma coisa pequena, mesquinha, medíocre e fugaz que se chama amor. Amor foi uma criação humana que até os deuses tem inveja. Amor rima com rancor, mas, é algo que todo sofrimento não suporta: o amor é o sofrimento do sofrimento. E há tanta força nesse sentimento, que mulheres e homens tem o sentido além de suas vidas e mortes. Não há como dizer se em algum dia do passado ou do futuro - ou mesmo do presente - uma vez que tenha sido, que o amor tenha vencido a morte, ou o tempo, a distância, o mal, o bem, o descaso, a descrença, a fé, os deuses... mas, dá pra saber com certeza absoluta que, também nunca - nunca - em nenhum momento, que o amor tenha perdido o que quer que seja.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Geni

Aquela vadia canta mal, sua voz soa como uma gralha engasgada. Aquela vadia se veste feito puta, exibindo seu corpo que quer dar-se pra qualquer um, decotes e pouco pano. Ela não se dá valor, tem um vocabulário podre, cheio de palavrões e de pornografias. Ela bebe, fuma, fode, nessa ordem ou não. Ela degenera, ela agride aos olhos mais sensíveis, aos puritanos excitados, aos irmãozinhos com seus desejos mais sodômicos. Bunda, peitos, boca, buceta: ela fala, ela grita, ela geme, ela se depila, vai pra praia de fio-dental, ela não tem vergonha nenhuma, de nada, de ninguém. Ela é gostosa e bonita, o demônio da tesão, a libido encarnada. Ela dança até o chão, deixando tudo e o mundo pra trás, porque tudo está aquém dela quando ela rebola na micareta da classe média moralista que a deseja e a apedreja loucamente. Ela é perdida e é a própria perdição. Ela é incestuosa. Que nojo.

O nome dela é Geni, atira pedra na Geni, que ela é boa de cuspir.

A todos os filhos de suas putas que te chamam de puta, vez ou outra.


domingo, 14 de novembro de 2010

Rin Asano & Manji (Mugen no Juunin)



"Onde há censura,

nasce a rebeldia,
Onde há rebeldia,
habita a censura.
Nesta noite desoladora,
desta horda de gente repugnante."
[Mugen no Juunin (Blade of the Immortal)]

sábado, 13 de novembro de 2010

banheiro feminino

***
Começa na fila, aqueles apertos - o vestido, a bexiga, a sandália, o cabelo -, segura a bolsa, abre, enquanto não mija, retoca o batom, faz pose no espelho, pensa: "quero logo fazer xixi", sorri com um bocão, a porta abre - "sou a próxima" - entra, afrouxa o vestido e a calcinha, senta e relaxa. Mexe os pés dentro da sandália, solta um pouco as tiras, até o atrito do material sintético e sua pele natural cessar. 3, 2, 1 - 1 minuto e meio sentada, na paz silenciosa entre ela, a privada, as paredes e o papel higiênico. Respira, arruma tudo de novo: calcinha, vestido, sandália. Abre a porta e sai, lava as mãos, seca-as, arruma o cabelo, enfeita os cílios como rímel, sorri e passa blush nas bochechas, apruma o lápis-de-olho preto e depois esfuma, dá o toque final com o perfume. Pronto.

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"Por que você demorou tanto?" - diz ele, com cara de cínico deslumbrado.
"Ah, foi só a fila..." - responde ela, com cara linda.


domingo, 7 de novembro de 2010

Réstia


Me afogo nesse céu sem estrelas e na vastidão traiçoeira do universo. Olho para o oceano interminável e penso no meu próprio continuar: esse mundo gigantesco cabe dentro de mim, não seria errado reclamá-lo se não houvessem tantas pessoas nele que também podem tê-lo dentro de si. A natureza tem sua própria democracia, onde o homem acredita interferir, quando na verdade é o mais manipulado por ela. Eu sinto meu coração doer de maneira violenta e isso me faz bem, na medida que a dor me lembra da vida. Os deuses saíram de férias e esqueceram de voltar, porque queriam ensinar aos seres humanos que eles podem fazer várias coisas sozinhos, porém, esses deuses esqueceram de colar um aviso na geladeira do universo o que deixou as pessoas insanas pela seu regresso, achando que, como um filho que sai sem avisar, esses mesmos deuses morreram no caminho. Já que a tendência do milênio é o trabalho em grupo, tenho preferido as religiões politeístas em detrimento das monoteístas. Isso tudo é insensato – não faz sentido – disse bem Eclesiastes. Voltando ao meu afogamento, tudo o que meu eu lírico está contando é algo que está dentro de quem possui o eu lírico: teóricos, não quebrem a cabeça! Tudo que o eu lírico diz é ficcional, até mesmo todas as verdades escatológicas. Penso profundamente de novo na minha dor, sinto algo talvez inconfessável, mas, nunca inconfessável para mim mesma. Nunca tive o hábito de mentir para mim, eu sempre crio situações onde eu posso tanger a verdade sem mistérios ou pudores. Simplesmente estou cansada de buscar algo que deve sair de mim: eu busco um grito quando eu é quem devo gritar e nada mais. Nós temos uma vida miserável, nosso universo é cheio de trevas e teimamos em nos apegar ao fogo como única salvação. Errados estão todos aqueles que ignoram a própria luz, pois, nesse recinto galáctico de sofrimento e desgraça, mesmo com toda bruma no caminho e mesmo com toda a escuridão, a luz não passa de uma ilusão óptica. Iluminar é mais que dar forma, é estar de olhos abertos dentro do caminho que não se enxerga, pelo simples fato que é muito diferente “estar de olhos fechado e não ver” de “estar de olhos abertos, apesar da escuridão”: não há como saber o que é trevas até tocá-la com seus próprios sentidos. A nossa geração paga e pagará muito por ignorar os sentidos, toda essa aversão ridícula a dor e ao sofrimento com essas frases medíocres de “quero ser feliz” não diz o que realmente quer se dizer: “quero uma vida ordinária, sem sofrimentos ou tristezas. Quero a vida farta, sem preocupações”. Isso tudo é tolice, quem consegue viver com essa ilusão? Pessoas tem que morrer, você também terá. Pessoas tem que discutir, você também terá. É simples, tudo isso é a vida e não se pode escapar dela nem morrendo, porque morrer também é vida. Viver não se explica, caramba, se vive e pronto. Cada dia, dia-a-dia, pelo caminho difícil que ela é e – graça aos deuses – ela existe. As pessoas tem que agradecer até pela mentira que viverem, pois, mais importante que a mentira é a vida. Sinto uma tristeza inefável quando olho para mim, tentando estupidamente mudar o mundo, quando na verdade o mundo sou eu. Sinto uma lágrima metafísica escorrer pelos meus olhos, como se meus ossos chorassem minha sincera estupidez. Há muita coisa que eu tenho que fazer e nenhuma delas inclui desistir por levar porrada da vida. “Escreve com sangue e descobre que sangue também é espírito”, diz Nietzsche em seu Zaratustra, eu digo: “Quem procura um amor, quer ser amado. Quem procura o amor, quer amar.” É simples e é assim que eu termino esse texto.

certeza

quem busca um amor, quer ser amado.
quem busca o amor, quer amar.
não conheço nenhum outra utilidade para a dor,
além da que ela tem: doer.
quem não tem no peito um coração
jamais vai entender.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Do Sono

Dentro do ônibus eu podia imaginar tudo de maneira irrestritamente diferente: o tempo, a velocidade, as existências. Percorri tudo com os olhos e a trama bronzear neural, decidindo o que selecionaria para uma história. Um recorte da realidade não superficial que eu iria talhar, aos poucos, diante de uma máquina, letra por letra, sintaticamente ligados, semanticamente ilusórios.
A gota do suor descia pelo meu rosto, fazendo cócegas nas minhas bochechas enquanto o vento contra-janela fazia a gota esgueirar-se pelo meu pescoço. Não dá pra descrever isso aqui, passo para o próximo parágrafo.
As silhuetas dos transeuntes faziam conjunto com as paredes cotidianas das ruas, a as silhuetas das ruas, e a silhueta das silhuetas se mostrava.
Quando dei por mim, acabara de acordar no Cáis de Santa Rita: de boca aberta, sem nenhuma palavra, limpei os resquícios de saliva envolta da boca.
Ademais era hora de descer, caminhar pelas ruas e ser também silhueta de silhueta.

Para: frasear.

é um homem sozinho

com singela compainha de uma solitude
como solidão faceira
que chega, revoluciona e nos deixa só.


como enfretar o dia-a-dia, só?
só achar que se é forte por solidão,
então, você precisa de alguém que te queira : só.

Aí você quer tê-lo, talvez, e não mais só.
Junto. Conjunto...
Mais aí já é outro poema.

Pouco Suor

Não há pouco suor na vida,

Viver e viver é suar e suar.
Suar pra fazer menino,
Suar pra menino nascer.
Dar o quê de comer pra menino,
Se o suor não descer?
d'A vida de si pra vida de cá
É uma eterna sudoriparização:

- Escorre a gota?


Inda tá vivo, menino - viver é labutar.

Crônica da agonia de um afã

Mudar o mundo, casar, comprar o pão, trabalhar, viver, ir à praia, viver; responsabilidade, morr e viv: (s)er.
Um ser humano acorda, acha que está bom. Ele toma café, poderia ter sido melhor.
Sai na rua, pega o ônibus que, milagrosamente não está lotado: pois, ele está saindo do centro da cidade para o subúrbio.
Ele reflete, mais uma vez. Ele é rico, mas, tenta ser uma coisa melhor.
Esse ser humano trabalha numa ONG, se vê bem lá. Se é lá.
Então, ele fica alegre lá, junto dos pobres, dos miseráveis, dos desdentados, dos piolhentos, dos imundos, "homens carangueijos", homens carangueijos.
Ele é capaz de amá-los. Não ama a modelo da revista.
Ele também não é Jesus, está com a Maria, mas também com a Madalena.
Não há bom sem defeito.
Está de noite, um momento de solidão:


Terá que dormir em um apartamento caro, com a tv de lcd porque... dinheiro é um grilhão.

sentada sobre minas pernas

O tempo é a morte suscinta, é o vagar pelo caminho da vida oxidante.

Cada respiração, cada movimento peristáltico, cada sibilar de novas palvras:
- é de vida que se vive e, é de vida, que se morre.