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domingo, 5 de dezembro de 2010

Excepcionalíssima Missiva

Recife, 05 de Dezembro de 2010.


Sempre tive esta idade, muito embora eu, vez ou outra, tenha recordações de outros tempos.
Aprendi a forjar palavras muito antes dos cinco anos, e nesta época eu nem sabia ler o que eu mesma escrevia; pelo menos não ortodoxamente -- eu escrevia "abbacba" e imaginava ter escrito "há um céu pra todos."
Minha maior decepção fora com as nuvens: nunca pude tocá-las.
Mas eu secretamente ainda as adoro, um primeiro amor nunca é esquecido facilmente, apesar de.
Tempo!
Eu nunca soube também o que era o tempo e porque as pessoas viviam perdendo-o ou me mandando parar de perder uma coisa que nunca tive. O tempo para mim sempre foi absoluto mistério, e por isso eu sempre estava a espreita e me distraía de várias coisas, procurando por ele. Eu sempre achei que devia procurá-lo, mas, depois percebi que o tempo não é um velho caduco e que não precisa que lhe procurem, ele sempre aparece, o tempo é de ninguém.
Os velhos sim, precisam que nós os procuremos e lhes ofereçamos cuidados: eles já acharam o tempo deles.
Eu gostava de inventar nomes e sombras quando andava de carro. Gostava de ver as sombras voarem e fazer tudo aquilo que eu via nos desenhos animados, coisas que eu só puder fazer as minhas sombras fazerem. Ainda hoje, no ônibus, gosto de ficar em silêncio e ver as minhas sombras e suas piruetas: elas desviam de tiros que jamais eu conseguiria desviar, elas alcançam o alto dos edifícios onde eu jamais alcançaria, elas tocam as nuvens que eu nunca toquei. Minhas sombras não me assustam e eu não as assusto.
Tive que usar óculos só depois que eu os queria, depois que passei a usá-los voltei a querê-los. Agora escrevo palavra por palavra, certinhas e em seu lugar, mas, sempre me recordo do meu primeiro caderno com uma história ilegível, pois era agramatical. Hoje sei sintaxe, semântica e o escambal, porém, minha história mais original era a que só eu podia entender: tinha "aaddto", "etuvrt" e "abbacba", que não adiantava desmisturá-las, re-ordená-las ou embaralha-las novamente, nunca achariam palavra semelhante em nenhuma língua: naquela época infante eu tinha inventado a minha própria língua, com sua própria sintaxe e semântica: cada palavra podia significar o que quisesse, podia se inverter se quisesse e podia mudar de sentido sempre. Era assim que a minha escrita era livre e solta, podia escrever qualquer coisa e vir a ler a qualquer momento que a história podia mudar: não havia diferença entre o que havia sido lido ou o que eu ainda ia ler -- as palavras estavam lá pra contar infinitas histórias, de trás pra frente, de frente para trás.
E foi assim que eu cresci e alcancei a idade que eu já tinha. Mesmo que eu olhe para meu passado, sinto que ele poderia mudar tanto quanto meu presente ou futuro. O tempo continua de ninguém. Eu nunca mais procurei o tempo.
Sei que vou reconhecê-lo assim que encontrá-lo.
Tudo de bom para mim, vejo-te sempre n'eu.

Beijos.

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