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sexta-feira, 25 de junho de 2010

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"Além das estrelas, depois da Lua e do Sol, após todos os planetas, no fundo do espaço sideral, encontrar-se-a o infinito caos. Há quem diga que é inimaginável e intangível chegar a tais recônditos. Quem isso afirmar por certo esqueceu do coração do ser humano e de sua imaginação. É que quando há um limite, é que temos a possibilidade de transgredi-lo. É que quando ultrapassamos a náusea, retomamos nosso pequeno lugar de céu: infinito. A canção do Caos é silenciosa. Sua dança é veloz, precisa, cheia de cores decadentes."

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A menina avistou uma gaivota negra. Ela nunca tinha visto uma gaivota daquela cor. Segui-la era o que ela tinha que fazer. Ela fez, e achou a ponte para a casa de um deus do céu, com nuvens, estrelas e silêncio.






[créditos da imagem: Nene]

sábado, 19 de junho de 2010

Ela entrou naquela sala, mirou pela enésima vez aquela estante enorme, grávida de livros. Ela também estava grávida, gestante de uma enorme solidão que precisava parir - e partir. A gravidade sempre aumenta dez vezes o que a gente tem de massa. Isso nos finca no chão como pedra que somos, como mineral irresoluto. Ela estava vasculhando por algo, um livro que a contasse o segredo do universo mas que fosse leve como o céu.  E havia aquela canção japonesa não a deixava em paz, ressoava na cabeça dela, a música que falava sobre "florescer com rancor": O desabrochar da flor, pede à Deus e reza. O mundo em que vivo, minha existência: são desalentadores, mas o sonho não morre. Floresce com rancor.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sobre o ser mulher - parte I





"Revolto-me, logo existo."

Albert Camus


Se as pessoas ainda criticam o feminismo, foi porque pouco o entenderam. Se, as próprias mulheres ainda não entenderam o feminismo, foi porque ainda pouco o criticaram. O feminismo, em sua verdadeira essência, não existe para aniquilar o homem - enquanto ser humano - ou promover uma supremacia feminina no mundo. O feminismo é uma contestação da moral e do julgamento de valores que exercem predominantemente e inconscientemente influência nas nossas vidas. É fato conhecido de todos nós que existe uma discriminação misógina no mundo como um todo, quer isso seja ou tenha sido provocado pela cultura do próprio país, isso foi criado através de uma leitura de mundo equivocada: o machismo em si, é uma tolice. A cultura esconde as partes diferentes dos seres humanos, impondo um tipo de comportamento cheio de estereótipos e segregando os comportamentos alheios à esse mesmo esteriótipo estabelecido. Como influência, temos a predominância de certas religiões que centram o poder de suas células no homem, sexo masculino, e tratando a mulher, sexo feminino, como complemento - um adjunto, um termo quase-não-essencial.
Para poder entender esses valores que foram sendo repetidos exaustivamente durante centenas de anos pelas culturas humanas, é preciso ter um bom domínio sobre a história da humanidade. Porém, fazê-lo na contemporâneidade é também atribuir à história antiga um julgamento de valor. É preciso utilizar, também, a crítica em si próprio e antes de olhar para trás, observar o nosso próprio tempo. Retomando uma sentença de Sartre, ele nos diz que "Não é o que fazemos de nós, mas sim o que nós fazemos com aquilo que fizeram de nós...". Isso me parece razoavelmente aplicável em nossa situação: Será possível que uma mulher que realiza um mesmo trabalho que um homem, tenha que receber um menor salário porque apenas é mulher? Será que um homem não pode ser um bom "pai-mãe" só porque é apenas um homem? Esses exemplos superficiais servem apenas para ilustrar o quão arraigados em nós estão esses preconceitos - no sentido pleno de conceito pré-estabelecido - e o quanto os utilizamo-nos deles sem pensar. Por que um enfermeiro é um médico frustrado? Porque um arquiteto é tido como um igualmente frustrado engenheiro? 
Assistindo ao filme "Brüno", interpretado pelo ator e historiador Sacha Baron, onde suas linhas de pesquisa são sobre os preconceitos do mundo atual, percebemos, claramente o que ele quer nos mostrar - com humor, diga-se de passagem:
O personagem é homossexual - gay. Por consequência, ele é austriáco. Ele trabalha com moda, ele usa gloss, ele apresenta um programa de tv, ele se veste diferente. Essas características foram suficientes para determinar sua discriminação.
Quando se nasce do sexo feminino, sofre-se uma proteção automática: você tem que estudar, você tem que chegar cedo em casa, cuidado pra não engravidar, não tenha muitos amigos homens, lave o cabelo com shampoo, pinte as unhas, faça xixi sentada.
Querer igualdade não tem nada a ver com imbecilidade ou falta de educação de ninguém. Igualdade de direitos não é "foda-se, façá só". As pessoas sabem de algumas coisas e não sabem de outras. Ponto. Você tem direito a ser respeitado em suas limitações, e não discriminado. Você tem o mesmo direito de ser diferente, assim como o outro tem o mesmo direito. Você tem direito de reclamar de algo que não goste, caso você queira expressar sua opinião e tem o direito de ser ouvido(a). Igualdade de direitos geralmente é entendida de maneira equivocada. Se você tiver com a mão cheia de coisas e for um cara, eu te ajudo, eu abro a porta pra você. Então, sua mão não vai cair se você fizer o mesmo. Você não tem a obrigação de me servir, meu bem. Você só faz se quiser, se achar que a pessoa em questão - homem ou mulher - mereça sua consideração para tanto.

Bem, essa é a  primeira parte de duas ou três. =)

sábado, 12 de junho de 2010

A rotina da criatividade

Tão pouco!
Já presenciara tudo o que havia de ver.
Depressa!
Já não se importava com o passar do tempo, Cronos era seu amigo.
Ia gesticulando vagarosamente, livrando-se das moscas.


Caía a noite, as estrelas estavam impávidas como sempre.
As murissocas sussurravam alguma coisa degustando o sangue alheio.
Ah, eram tantas!
Sem jamais contá-las, sem jamais perdê-las, sem jamais.


Escolheu um peso.
Escolheu uma medida.
Escolheu uma altura.
Tudo qualquer.
Deitou-se.
Fechou os olhos.
Cruzou os braços.


Partiu.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Assobiar

Circulando espirais,
girando, circunspecto;
tangente e incerto.


Pegasus transcendental,
ybáca despedaçando-se:
cacos, pedaços, gotas,
fragmentos, lascas, poeira,
pó, pó-de-pó.


Homo Infimus,
contingente do caos,
humanidade sexagenária:
dançando sob-sobre o infinito.


Cordas bambas,
borboletas no olho do furacão:


- Meu coração.

Labirintos Lemnicastos

Talvez um longo silêncio favoreça
a minha força:
- Ela vem do grito. Do grito histérico,
do medo profundo, da revolta do descaso,
da alegria não consumida, das memórias 
sagradas.

Minha força é tão fraca, tão ostracista,
impunemente-fraca: não necessária.
Não quero força - dai-me vida.

(Thaynah Leal)



From where I stand

The truth isn't black and white

Alone we live and die
We love and fight
Breath after breath
we carry this mortal coil
Safe for tomorrow



[duran duran - breath after breath]

sábado, 5 de junho de 2010

Um diálogo entre Brauer e Nietzsche


"Serás para teu amigo ar puro e solidão, pão e reconforto? Há quem não possa desatar suas próprias correntes, mas para o amigo se tornou um libertador. És escravo? Então não podes ser amigo. És tirano? Então não podes ter amigos."
(
Assim falava Zaratustra)




- E a tristeza nas lágrimas?
- Não, não é tristeza. É um alívio. É a primeira vez que revelo minha solidão. Está se dissolvendo. Está se dissipando.
- É o paradoxo: O isolamento só existe no isolamento. Uma vez compartilhado, se evapora. Meu querido amigo.
- Somos amigos. Gosto de dizer isso. Ninguém nunca me disse isso. Eu gosto disso.

When Nietzsche Wept

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Lira dos meus 19 anos




"Mariposa en el aire de la muerte (...)
 [Juana de Ibarbourou]



Ah! Quanto inda me falta viver?
Cheguei até aqui porque percorri
grandes e densas veredas sinuosas.

Quantos pôres-de-sol hei de ver,
e quantos nasceres de lua hei de
prestigiar, antes que minha vida 
venha a se findar?

Sou traída e denunciada por ser
humana, descriminada por ser mulher.
Não quero contabilizar o milênio que 
não vingou na trama bronzear neural dos
imprescindivelmente anacrônicos.

Quanto ainda me falta para voar?
Quando poderei desvencilhar meus pés
do chão, e arremessá-los contra os céus?

Lira dos meus 19 anos, quantas guerras não vivi,
mas, por quantas lutei para que não viessem?
Anos noventa, noventa vezes de marasmo e lentidão social.

O impossível tem exigido o real,
minha desventura é pelo egoísmo subjetivo,
minha agonia é a anti-dialética mundial.

Vagueio por entre pessoas contemporâneas,
onde estarão as pessoas que pensam no futuro?

Ah! Quanto ainda terei de ver?
Quanto ainda terei de viver?

Minhas cáries doem, meu dentista trata
meus dentes com xilócaina.
É preciso manter os dentes firmes e a mordida
pré-preparada.

"O amor comeu meu medo da vida e da morte...",
disse João Cabral.

Eu repito.
Eu acredito.

(Thaynah Leal)